Esta é a versão em português da entrevista publicada no portal Honorary Reporters do Korea.net, que pode ser lido neste link em inglês (se for lá, não esqueça de deixar um coraçãozinho!).
Na semana de 21 de novembro tive a oportunidade de entrevistar Alex Yoo por e-mail para conversar um pouco sobre o GyopoCast, um podcast que apresenta integrantes da comunidade coreana em solo brasileiro, e saber mais sobre o processo de desenvolvimento e criação deste projeto que tende a virar um arquivo importante para os membros da comunidade coreana no Brasil.
Conforme sua descrição já diz, o GyopoCast traz em seus episódios histórias sobre o passado, presente e futuro da comunidade coreana no Brasil. É uma iniciativa de Alex Yoo, seu criador e apresentador, e tem se mostrado de grande importância não só para os interessados em cultura coreana conhecerem figuras destacáveis da comunidade, mas principalmente para a própria comunidade coreana ter visibilidade de seus integrantes, numa espécie de exercício de autoconsciência da amplitude de seus sentimentos e conquistas.
Confira a entrevista na íntegra a seguir.
1 Você pode nos contar como foi o processo de criação do podcast? Como surgiu a ideia inicial? O formato do desenvolvimento das conversas no podcast foi pensado da mesma forma desde a concepção da ideia ou com o passar dos episódios você foi adaptando para ficar mais confortável?
Acho que todo mundo que faz parte de uma minoria que não consegue se ver representada em grandes veículos de mídia e comunicação, acaba buscando conteúdos em mídias alternativas.
Por isso sempre consumi muito podcast, principalmente os que possuem um tema específico, como criação de filhos, café, cerveja artesanal, futebol...
Com a pandemia do COVID-19, no mundo todo começaram a surgir muito conteúdo interessante em formato de “lives”, e logo essas conversas acabaram virando podcasts. Junto com a pandemia, o racismo com asiáticos que sempre existiu, só que de forma mais tímida e disfarçada de brincadeiras e piadas, começou a ficar forte e se manifestar de forma violenta em muitos lugares do mundo.
Como resposta, muito conteúdo relacionado a identidade asiática começaram a surgir principalmente em países de língua inglesa, como EUA, Canadá e Austrália.
Senti que esse assunto também precisava ser abordado no Brasil, e eu já tinha uma certa familiaridade com o formato podcast pois além de consumir esse tipo de conteúdo, cheguei a fazer algumas participações em podcasts sobre paternidade e cerveja artesanal.
Pensei também no meu filho e sobrinhos, e o quão longo e tortuoso foi meu processo de criação da minha identidade por não possuir muitas referências. Surgiu a vontade de criar uma espécie de “biblioteca de pessoas” para que no futuro eles pudessem ouvir a experiência de pessoas parecidas com eles.
Imaginava que grande parte da comunidade coreana no Brasil não conhecesse podcasts nesse formato mais longo e informal, e por isso no começo eu me preocupei bastante com o tempo e tentei conduzir a conversa com pautas e perguntas prontas.
Mas com o tempo, o pessoal foi acostumando ao formato, e hoje já não possuo a mesma preocupação com a duração do episódio e consequentemente, a conversa começou a fluir de forma mais natural.
2 A identidade visual do Gyopocast é bastante distintiva, principalmente nos conteúdos postados no perfil do podcast no Instagram — a silhueta dos convidados sempre chama atenção no feed. Como foi o processo de criação desta identidade? Você teve muitas sugestões durante o processo criativo?
Como o Gyopocast surgiu para dar voz a geração de descendentes de coreanos que cresceram no Brasil, ou seja, tiveram boa parte de sua identidade formada aqui, nada mais justo que prestigiar gyopos no máximo possível.
Ao fazer uma pesquisa para descobrir designer e artistas da comunidade, encontrei o Thomas, que já fazia um trabalho de caricaturas e possuía um traço próprio que me agradava muito.
Pedi então para ele fazer a criação da identidade do podcast, dando liberdade para ele criar. Naturalmente, surgiu a idéia de utilizar o formato de caricatura que ele já possuía para ilustrar as capas dos convidados.
3 Os episódios são disponibilizados no Spotify e também no YouTube, a publicação nas duas plataformas foi planejada desde o começo ou foi uma decisão feita com o passar dos episódios como resposta a uma demanda?
O estúdio onde eu alugava par fazer a gravação já me dava no pacote o vídeo da gravação na íntegra, mas sem edição.
Como a edição em vídeo demanda mais tempo e trabalho, a idéia inicial era ficar apenas no Spotify, e jogar apenas alguns cortes com vídeo no instagram para dar uma pequena amostra sobre o que se tratava o podcast.
Para não perder o arquivo, subia eles na íntegra no youtube, mas quase sem edição, tanto que os primeiros episódios possuem um áudio bem inferior.
O projeto do gyopocast foi muito bem recebido desde o começo, e com a entrada do meu sócio Kwang Son, surgiu a possibilidade de ter um estúdio próprio que acabou facilitando a entrada no youtube.
4 Recentemente você começou um programa novo, o One plus One. Pode nos contar um pouco mais sobre ele?
Temos o objetivo de fazer o Gyopocast crescer para ser um guarda-chuva de novos programas, com temas variados, voltados para a comunidade coreana no Brasil. Começamos pelo “Apresentando,” por ser um programa que considero atemporal, logo, o baixo número de ouvintes no começo não seria um problema. Agora que o público aumentou, sentimos segurança para fazer um programa com temas de acordo com as notícias e eventos do nosso dia a dia. Uma forma de ajudar a divulgar eventos culturais, promoções e assuntos do momento de interesse para a nossa comunidade. Seria incrível termos mais podcasts apresentados por outras pessoas da comunidade, abordando assuntos como política, esportes, religião, pedagogia, gastronomia... e o que mais a gente sentir necessidade.
![]() |
GyopoCast no YouTube (captura de tela) |
![]() |
GyopoCast no Spotify (captura de tela) |
5 Como você escolhe os convidados para os episódios? Você acha mais fácil conversar com os convidados que são conhecidos seus, ou a conversa com os convidados que você não conhecia antes flui diferente?
Quando eu comecei a planejar o Gyopocast, não sabia quantos episódios eu conseguiria bancar, e até onde o programa poderia chegar. Fiz uma lista inicial com 12 pessoas que eu achava fundamental gravar, seguindo o critério de deixar uma biblioteca de pessoas com histórias inspiradoras para as próximas gerações.
Com esses 12 programas, se o Gyopocast não continuasse, já ficaria feliz e satisfeito com o trabalho. Felizmente, após gravar o quarto episódio, e antes mesmo de ter lançado o podcast, tive a entrada do meu sócio que trouxe mais segurança em relação a longevidade do programa. Não precisava mais gastar essas 12 pessoas logo de cara. Com o lançamento do programa, sugestões de convidados começaram a surgir.
Até hoje, a grande maioria dos convidados eu não tinha contato nenhum ou muito pouco. E mesmo aqueles que eu conhecia mais, é incrível descobrir o quanto não sabemos muita coisa delas, mesmo sendo pessoas próximas.
Nesse sentido, acredito que não exista diferença entre convidados já conhecidos e convidados que encontro pela primeira vez.
6 Quais desafios você encontrou ao longo destes meses de produção e publicação do podcast? Algum aspecto foi mais fácil ou mais difícil do que o esperado?
No começo, por utilizar um estúdio terceirizado, a maior dificuldade era conciliar 3 agendas: a do convidado, a minha e a do estúdio.
Depois que passamos a ter um estúdio próprio, esse problema foi resolvido.
Atualmente tenho dois grandes desafios:
- tornar o podcast autossustentável;
- conseguir feedbacks da comunidade coreana no Brasil em relação os episódios. É perceptível que mais pessoas dentro da comunidade estão ouvindo o programa. Os dados das plataformas que usamos demonstram isso. Mas não tenho muita noção do que as pessoas que estão fora do meu círculo de amizade estão achando dos programas. Nossa comunidade é bem engajada, mas costuma ser muito discreta em relação a críticas, elogios e sugestões. O mais comum são mensagens de indicações de convidados. Tenho ótimos amigos que apoiam, divulgam e passam as impressões que tiveram dos programas. Mas eu costumo pensar que essas são opiniões enviesadas.
7 A criação do podcast mudou algum aspecto da sua vida? Como o podcast te impacta como partícipe da comunidade coreana-brasileira?
Acredito que ainda seja cedo para poder falar em relação a alguma mudança... mas com certeza cada convidado que passa no Gyopocast traz junto muita lição de vida. Acredito que mudanças surgirão na medida que cada lição dessa seja colocada em prática.
8 Como integrante da comunidade coreana-brasileira, como você vê o seu passado, o seu presente? O que espera para o futuro da comunidade? E o que você espera para o futuro do podcast? O que você quer deixar como legado?
Já passei por várias fases em relação a minha relação com a comunidade coreana-brasileira... dúvidas sobre a minha identidade, questionamento de valores, padrões... já estive mais afastado, já estive mais próximo... ainda estou tentando achar um equilíbrio nesse relacionamento. Acredito que para mim, estar muito inserido pode ser tão prejudicial quanto estar muito afastado.
Nossa comunidade esteve muito ocupada nesses primeiros 60 anos de imigração tentando sobreviver. Esse foi o objetivo dos nossos pais e avôs quando vieram para o Brasil: sobreviver. Por isso nem dá pra julgar o fato de passarmos tanto tempo sem conversar e principalmente ouvir as dores uns dos outros.
Que possamos ter paciência e empatia a partir de agora com cada história, cada trajetória. Dessa forma, temos apenas a ganhar somando cada experiência de vida. Espero que o Gyopocast possa ajudar nisso.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer a disponibilidade de Alex Yoo para esta entrevista.
Para ler outros textos meus como repórter honorária, confira a lista neste link.
Postar um comentário
Muito obrigada por passar por aqui!